Este livro ficou sentado na minha prateleira por muitos meses, olhando para mim diariamente, até que eu finalmente iniciasse sua leitura. A princípio, pensava que ele incluiria uma coleção de pesquisas científicas, além de um passo a passo sobre como conseguir "entrar no flow", aquele estado de concentração plena durante uma atividade, em que você nem vê o tempo passar.
Logo no primeiro capítulo, descobri que o livro é muito mais do que isso. Como o próprio título diz, fala também sobre como encontrar a felicidade através do flow. Confesso que fiquei surpresa com o conteúdo, pois até então meu conhecimento sobre o tema se limitava ao seu impacto na capacidade de concentração e não na qualidade de vida como um todo.
Mas, considerando que o autor do livro, Mihaly Csikszentmihalyi, é um renomado psicólogo, eu não deveria esperar nada menos do que um livro sobre felicidade. Aliás, seu nome impronunciável foi citado até por Daniel Kahneman, em Rápido e Devagar. Quando menciona em seu livro o conceito de flow, nos ensina que seu sobrenome pode ser facilmente pronunciado como "Six Cent Mihaly".
Pois bem, voltando ao Senhor Seis Centavos (que contribuiu infinitamente mais do que este valor para a psicologia moderna, criando o conceito de flow)... O livro começa com o capítulo “a felicidade revisitada”, que descreve a felicidade não como um objetivo que alcançamos, mas sim como o que acontece quando aprendemos a apreciar cada momento.
Estes momentos podem ocorrer até mesmo durante acontecimentos simples, como ver o pôr do sol, escutar o canto de um pássaro, fazer um trabalho voluntário ou até mesmo terminar uma tarefa difícil. Muitas vezes, estes acontecimentos nos passam despercebidos, pois estamos tão obcecados com nossos objetivos, que deixamos de aproveitar o momento presente. Porém, quando aprendemos a apreciar estas experiências, sentimos uma imensa felicidade. Sentimos que realmente estamos aproveitando a vida!
Esta sensação de prazer ou fruição que sentimos durante estes momentos é denominada experiência ótima. Quando estamos neste estado, nossa consciência fica ordenada, pois estamos agindo de acordo com as nossas metas e todos os nossos sentidos estão focados para atingir o objetivo. Por este motivo, entramos em um estado de concentração tão intenso que não sentimos fome, não ouvimos os sons externos e não vemos o tempo passar. Ficamos tão envolvidos com a atividade que nada mais importa e nos sentimos como se estivéssemos flutuando. Este é o estado de flow.
Por outro lado, quando ficamos preocupados com algo que não está nos nossos planos, não conseguimos nos concentrar em nossas metas e nossa energia é desviada para lidar com esses problemas. Essa desordem interior é chamada de entropia psíquica, o estado oposto ao de experiência ótima. A entropia é o estado normal da nossa consciência e, para evitá-la, geralmente enchemos nossa mente com uma grande quantidade de informações, para não deixar que ela foque em sentimentos negativos. Quando assistimos a um filme ou quando nos perdemos no scroll infinito da Internet, estamos apenas tentando distrair nossa mente desses pensamentos negativos.
Quando aprendemos a extrair fruição das pequenas coisas que acontecem no nosso dia-a-dia, temos mais chances de nos sentirmos felizes.
Entretanto, a fruição só acontece quando realizamos uma tarefa com a proporção adequada entre desafios e habilidades. Por isso, nossas metas nunca devem ser muito fáceis (a ponto de nos provocar tédio), nem muito difíceis (que nos gerem ansiedade). Após conquistarmos nossas metas, nosso self (isto é, a forma como nos vemos) já não é mais o mesmo, pois foi enriquecido com estas novas habilidades.
E cada vez que realizamos a mesma tarefa, queremos melhorar nossa experiência e aperfeiçoar mais ainda nossas habilidades, de forma a fazer a atividade cada vez melhor. Ao mesmo tempo, ao aperfeiçoar nossas habilidades, ficamos entediados com a mesma meta e precisamos ampliar nossos desafios. Sendo assim, o ciclo do flow é formado por: meta, habilidade, feedback constante e recompensa. Ao conquistar nossa recompensa, definimos uma nova meta mais desafiadora, que irá requerer novas habilidades, e assim sucessivamente...
As atividades físicas oferecem uma ótima oportunidade de atingir o estado de flow. E apesar do flow precisar do controle da nossa consciência, não é apenas com yoga e artes marciais que conseguimos chegar nesse estado. Cada vez que corremos, dançamos ou praticamos algum esporte, por exemplo, aperfeiçoamos nossas habilidades, medimos o progresso e elevamos o desafio. Quando nos concentramos na atividade e entramos no estado de flow, temos a sensação de controle sobre nossas ações e passamos a apreciar cada vez mais a atividade, que se torna uma experiência ótima e acrescenta ao self. Entretanto, quando não estabelecemos metas para estas atividades, não temos o controle sobre o processo e, desta forma, não conseguimos extrair prazer ou fruição durante sua execução.
No meu caso, sempre gostei de correr e facilmente consigo entrar no flow durante esta atividade. Conto meus passos, ajusto minha postura, presto atenção na música que estou ouvindo ou nas árvores e pássaros que vejo pelo caminho. Em contrapartida, nunca apreciei fazer musculação mas, para melhorar minha saúde, precisei me render a esta atividade. No início, fazia apenas por obrigação, mas à medida em que fui evoluindo, passei a sentir prazer enquanto fazia e, desta forma, ela também se tornou uma atividade de flow para mim.
A experiência de flow também pode ser obtida através dos nossos sentidos: observando uma obra de arte, saboreando a comida, ouvindo uma música clássica ou até mesmo prestando atenção no silêncio. Além disso, as recompensas são ainda maiores quando assumimos o controle sobre estas experiências. Por exemplo, quando tocamos um instrumento temos mais condições de focar nossa atenção do que quando ouvimos uma música; quando cozinhamos temos mais chances de nos concentrar do que quando comemos de forma automática. Nestes casos, temos metas definidas, recebemos feedback e estamos constantemente evoluindo nossas habilidades.
Quando apreciamos o momento presente, temos mais chances de gerar uma experiência de flow.
O flow também pode ser obtido quando lemos, escrevemos, cantamos, fazemos tricô ou cuidamos das plantas. Em geral, as pessoas pensam que qualquer atividade de lazer poderia gerar uma experiência de flow mas, na verdade, não são todas que promovem esta experiência. Para que haja fruição, ela precisa estar relacionada a desafios e habilidades, tal qual um hobby a que nos dedicamos. Portanto, atividades de lazer como ver televisão ou encontrar os amigos no bar, por exemplo, não podem ser consideradas como experiências de flow. Ao mesmo tempo, estas atividades de lazer que não agregam ao self também são importantes para recuperarmos nossa energia, pois não conseguimos suportar desafios o tempo todo.
Até o trabalho pode se tornar uma experiência de flow, desde que ele desenvolva nossas habilidades e aprimore a complexidade do self. Para isso, precisamos concentrar nossa atenção no que estamos fazendo e extrair prazer da atividade em si.
Quando uma pessoa encontra flow no trabalho, terá a sensação de dever cumprido e irá melhorar sua qualidade de vida.
Nossos relacionamentos e nossa família também são fatores fundamentais para nossa felicidade. Em geral, as pessoas são muito mais felizes na companhia de amigos e familiares. Quando ficamos sozinhos, nossa mente facilmente atinge o estado de entropia psíquica e nosso pensamento entra no caos. Por isso, devemos preencher nosso tempo solitário com atividades que possamos controlar e que nos tragam crescimento, afastando os pensamentos desagradáveis e gerando uma experiência ótima.
Por fim, podemos obter fruição através do bem comum, ao realizar um trabalho voluntário, por exemplo, cujo objetivo é ajudar outras pessoas, Estas metas, além de desenvolver nossas habilidades e enriquecer o self, possuem uma sensação de propósito e um significado de vida muito maior, proporcionando uma experiência de flow unificada.
Mas independentemente da atividade que você execute para atingir o flow, seja um esporte, um hobby, um trabalho manual ou um trabalho voluntário, o importante é que você esteja focado no momento presente para atingir o estado de concentração, desenvolva cada vez mais suas habilidades naquela atividade para que possa buscar desafios maiores e se sinta no controle da situação. Assim, você irá atingir a experiência ótima e encontrar a felicidade.
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