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Escrivaninha amarela: revisitada

 Quando digo isso hoje, ninguém acredita, mas eu fui uma criança introvertida. Minhas três irmãs eram bem mais velhas que eu e logo saíram de casa para fazer faculdade, por isso costumo dizer que fui uma filha única com quatro mães. Além disso, meus pais haviam se mudado da sua cidade natal antes mesmo de eu nascer, então eu também não tinha nenhum primo da minha idade para brincar.

E o que uma criança tímida, sem irmãos nem primos próximos, pode fazer, além de brincar sozinha? Pois bem, minhas atividades favoritas na infância eram ler, escrever, desenhar e pintar.

Meus pais eram professores e desde cedo eu gostava de estudar. Adorava ajudar minha mãe a escrever os nomes dos alunos nas cadernetas novas a cada início de ano, enquanto escolhia o nome do aluno mais esquisito; ou ainda, a pendurar as folhas mimeografadas das provas que ela iria aplicar por todas as cadeiras disponíveis da casa, para que pudessem secar. Minha infância inteira teve cheiro de papel, tinta e álcool.

Até que um dia, ganhei uma escrivaninha amarela. Quando entrei na sala de televisão, fiquei encantada. Lá estava ela, ao lado do sofá, novinha e brilhando. Mal podia esperar para sentar naquela mini cadeirinha e fazer o meu primeiro desenho na minha escrivaninha! Ela também tinha um porta-lápis embutido, e uma gavetinha onde eu podia guardar apenas um livro ou um caderno. Tudo amarelinho, em várias tonalidades e texturas diferentes.

Imediatamente, aquela escrivaninha se tornou o meu brinquedo favorito. Passava o tempo todo sentada ali, enquanto meus pais assistiam TV. Só levantava quando meu pai me pedia para trocar o canal ou aumentar o volume da televisão, de tubo, em cores e sem controle remoto. Naquela época, meu cabelo era liso e comprido, e eu usava dois rabinhos amarrados com fitinhas de cetim. E cada vez que meu pai pedia, lá ia eu, balançando meus rabinhos até a TV, contrariada por ter que deixar meu brinquedo favorito por um minuto, enquanto me transformava em um controle remoto.

Mas eu sempre voltava, pois era ali que me sentia segura e relaxada. Foi ali que eu descobri o prazer de brincar sozinha. O tempo passava muito mais rápido e eu não ficava mais em casa entediada, por não ter o que fazer ou por não ter ninguém pra brincar comigo.

Minha escrivaninha amarela fez parte da decoração da sala até quando eu já nem cabia mais nela. Mas nunca mais saiu da minha memória, pois passou a fazer parte da minha personalidade. Até hoje, adoro ler, escrever e pintar. E, apesar dela não estar mais lá, continua sendo o meu brinquedo favorito.

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