Outro dia ouvi dizer que a pandemia fez um download do futuro em velocidade máxima. E para mim essa é a mais pura verdade. O que imaginávamos que aconteceria lentamente, só daqui a alguns anos, de repente se tornou realidade. Por um lado, a globalização e a transformação digital trouxeram novas práticas de gestão de projetos ágeis e de gestão descentralizada que já estavam em andamento. Por outro lado, a pandemia acelerou esta transformação e de um dia para o outro nos vimos fazendo parte do desenho dos Jetsons, com vídeo conferências, robôs e carros voadores fazendo parte da nossa vida.
As organizações (e até os pequenos negócios) tiveram que transformar seus processos e adotar novas tecnologias para permitir as vendas e as interações entre os seus funcionários de forma online. A digitalização dos negócios offline teve que acontecer rapidamente e, hoje em dia, até a padaria do bairro já recebe pedidos pelo Website, atende por Whatsapp e tem um perfil no Instagram. Além disso, líderes de grandes, médias e pequenas empresas tiveram que mudar sua forma de gestão para criar um ambiente inovador que pudesse sobreviver a todas estas mudanças. É sempre complicado nos acostumarmos a mudanças, principalmente de forma tão brusca como ocorreu no início do lockdown.
No meu contexto, as transformações foram muitas. Trabalho em São Paulo como Gerente de Projetos de Tecnologia e, em março de 2020, fomos enviados para casa. Nesta época (que parece ter acontecido há uma eternidade), a política da empresa em que eu trabalhava nem permitia trabalhar remotamente, devido a questões legais, de segurança e de infraestrutura. Mesmo assim, lá fomos nós. A conexão de rede era lenta e eu tinha que passar um cabo de rede no chão do apartamento, desde a sala até o escritório. Comprei cadeira, monitor e, aos poucos, fui melhorando o meu home office. Hoje em dia, já estou totalmente adaptada mas, mesmo assim, sinto falta do contato com as outras pessoas. Não preciso ir ao escritório, mas escolho ir algumas vezes para suprir esta necessidade. Em compensação, quando vou, sinto novamente o stress do trânsito e da insegurança, inerentes a uma cidade grande como São Paulo, mas que já não fazem parte do meu dia-a-dia.
O trabalho remoto possui muitos benefícios e há quem hoje nem aceite mais trabalhar em empresas que não permitem o trabalho 100% remoto. Na área de Tecnologia, isso é muito visível. Cargos que demandam um trabalho individual com alto nível de concentração, como o de desenvolvedor de software, por exemplo, possuem uma preferência absoluta pelo home office. Já no meu caso, tanto como Gerente de Projetos quanto como líder, ainda preciso muito da interação com as pessoas para realizar o meu trabalho e tenho poucas atividades que dependem apenas de mim.
As idas à mesa ao lado ou as desafiantes reservas em salas de reunião foram substituídas por convites de vídeo conferência durante todo o dia (sabe aquele meme que você abre a geladeira e tem um invite?). Acabamos perdendo os encontros espontâneos no corredor ou no café e a comunicação no mundo remoto passou a ser muito mais estruturada, com a necessidade de agendar uma reunião formal até para falar com nossos coleguinhas de trabalho. Nossas agendas estão sempre superlotadas, ficamos o dia grudados no fone de ouvido e quase não sobra tempo para o trabalho individual. É um desafio encontrar tempo até para beber água ou ir ao banheiro.Por isso, apesar de termos uma economia de tempo significativa com o home office, é preciso ter muita maturidade para não deixar o trabalho se misturar com a vida pessoal. Temos liberdade para trabalhar de qualquer lugar a qualquer hora, mais qualidade de vida e mais tempo para dedicar à nossa vida pessoal. Porém, muita gente sente que está trabalhando mais em casa que no escritório. Da mesma forma, temos a oportunidade de nos conectar com as pessoas mundialmente, o que antes era muito mais restrito ao ambiente do escritório. Ao mesmo tempo, deixamos nossos colegas de trabalho invadirem as nossas casas e entrarem na nossa vida pessoal. Precisamos nos lembrar de levantar da cadeira periodicamente e tentar sair desse universo online por alguns minutos, para reduzir o cansaço físico e mental. A flexibilidade de tempo e de espaço é uma faca de dois gumes.
Além disso, há uma percepção pelos funcionários de que o ambiente virtual reduziu as barreiras hierárquicas e permitiu que todos pudessem contribuir da mesma forma. Através do vídeo (ou do áudio), enxergamos todos iguais, seja um diretor ou um analista. Entretanto, cada um possui sua própria persona digital, que em alguns casos se mostra mais tímida e mantém sua câmera fechada, ou em outros se sente mais confiante em falar para um público online que no presencial.
O fato é que o trabalho remoto impactou muito nas relações humanas, na forma de comunicação entre as pessoas, nas ferramentas que usamos e nas competências que precisamos desenvolver. Para que o ambiente virtual funcione, é necessário revisar as práticas e os processos de trabalho e também o mindset da organização.
Para não nos sentirmos isolados atrás dos nossos computadores, tivemos que criar novos rituais para estimular a colaboração entre a equipe e fortalecer as relações interpessoais. As práticas do modelo ágil, tais como dailies, reviews e retrospectives, se tornaram essenciais para acompanhar o trabalho realizado por cada um individualmente e para remover os impedimentos. As tão faladas one-on-ones são imprescindíveis para alinhar expec
tativas entre o líder e sua equipe, bem como dar e receber feedbacks contínuos. Entre os pares, elas também favorecem a conexão e aumentam a confiança entre os membros da equipe, pois acabam indo além dos temas profissionais. E as reuniões em grupo permitem a definição de um propósito em comum e estimulam o senso de engajamento e a motivação do time.
Em resumo, o trabalho remoto tem muitas vantagens, mas também muitas desvantagens. Há muito mais flexibilidade, porém menos interação entre as pessoas. Há mais produtividade, mas ao mesmo tempo mais isolamento. Será muito difícil (pelo menos no médio prazo) voltarmos a trabalhar 100% presencialmente como antes, portanto as organizações (e os líderes) devem ajustar suas práticas, ritos e processos para se adaptarem a este novo modelo, estimulando a colaboração e a motivação da equipe e tentando compensar, pelo menos um pouco, o contato social.
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