Há alguns anos, li o livro "Cem dias entre céu e mar", de Amyr Klink, e me lembro que fiquei impressionada com sua resiliência, sua coragem e sua capacidade de ficar tanto tempo sozinho durante a travessia do Oceano Atlântico. E ele fez tudo isso em um barco a remo, em plenos anos 80, quando nem GPS existia.
Hoje, ouvindo o podcast "Do Zero ao Topo", me surpreendi (e me impressionei) novamente com a história desse navegador que admiro tanto e não pude deixar de pensar em como ele aplica vários conceitos de agilidade em suas viagens.
Primeiramente, cada viagem é um projeto, e o mais importante é ter um objetivo claro antes de começar a jornada. Já posso imaginá-lo definindo seus OKRs a cada viagem e realizando o acompanhamento diário de cada resultado chave, para validar que ele não irá chegar em um destino diferente do seu objetivo.
Além disso, Amyr Klink precisa de um bom planejamento para mitigar os riscos inerentes a sua viagem. A validação de todos os itens de segurança do barco, o plano marítimo, o estoque de suprimentos, ou o que fazer em casos de urgência, são exemplos dessa preparação prévia.
O modelo ágil não requer um planejamento de todas das atividades do projeto previamente, como no caso de Amyr Klink. Entretanto, a preocupação com os processos operacionais e com a cadeia de valor representam a estrutura necessária para que um projeto (como um novo produto, por exemplo) pare em pé após o seu lançamento. Não é só a navegação ou o desenvolvimento de software que importam, mas também todos os demais processos que os suportam.
Em compensação, apesar de todo o planejamento, há muitas variáveis que estão fora do nosso controle. Para Amyr Klink, foi difícil se acostumar com as situações da natureza que ele não podia controlar durante suas viagens. Para as organizações, o cenário atual extremamente dinâmico e incerto demanda que elas estejam aptas a responder de forma ágil aos eventos externos.
A pandemia é um bom exemplo desse caso. Todas as organizações, pequenas ou grandes, tradicionais ou startups, sem exceção, tiveram que se adaptar a este novo cenário rapidamente. Independentemente de qualquer planejamento prévio que tivessem realizado, elas tiveram que mudar o rumo devido a esta situação imprevista. E as que não conseguiram se adaptar a tempo, provavelmente não estão mais aqui pra contar a história.
Aliás, Amyr Klink também menciona que a principal diferença entre o isolamento social que ele "estava habituado" durante suas viagens de barco e o da pandemia é que nas viagens ele sabia qual era o objetivo, sabia quando a viagem iria terminar. Já na pandemia, não há essa noção de finitude no tempo...
Outra característica da agilidade que ele menciona é a necessidade da cadência para sobreviver tantos dias no mar. No seu caso, a rotina é importante para que ele possa acompanhar constantemente suas métricas de tempo e de distância para verificar se ele continua indo em direção ao seu objetivo final. No caso das organizações ágeis, além do acompanhamento das métricas, a sincronia entre as equipes também é imprescindível para garantir que todas estão indo na mesma direção.
Por fim, ele fala sobre melhoria contínua. O acompanhamento das métricas permite que ele entenda onde pode melhorar todo dia um pouquinho. No início da sua viagem de travessia do Atlântico, ele não estava conseguindo atingir a meta diária de milhas náuticas que havia previsto, mas aos poucos foi conseguindo melhorar e conseguiu terminar a viagem em um tempo até menor que o previsto inicialmente! Na agilidade, as reuniões de Retrospectiva ou Inspect & Adapt também são realizadas periodicamente para identificar, aplicar e acompanhar os pontos de melhoria durante o processo.
Outra forma em que ele aplica o conceito de melhoria contínua é aprendendo com os erros dos outros. Amyr Klink estudou e analisou onde os navegadores anteriores haviam errado para que ele não cometesse os mesmos erros - afinal, isso poderia custar sua vida.
No contexto organizacional, os erros de desenvolvimento de software são bem mais flexíveis que os erros em alto mar, e há uma aceitação muito maior à falha que no contexto da navegação. Porém, é possível fazer um paralelo com o próprio processo de transição das organizações para o modelo ágil. As primeiras empresas tradicionais que migraram para o ágil sofreram muito mais com a mudança de cultura e a adoção do novo modelo de trabalho com as suas equipes. Hoje em dia, há diversas consultorias especializadas em transformar uma empresa tradicional em ágil, através da utilização de práticas que mitigam os principais riscos observados no passado.
Assim como sou fã do Amyr Klink, sou fã do modelo ágil. E como Gestora de Projetos, sei que sempre teremos muitos desafios, tanto nos projetos tradicionais quanto nos ágeis. Mas, ao aplicarmos conceitos como os de sincronismo, cadência, acompanhamento de métricas e melhoria contínua, temos muito mais chances de sucesso.
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